Neste post você vai encontrar:

  1. O imposto sobre heranças – ITCMD (Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos)
  2. Discussões sobre a legitimidade passiva do imposto sobre heranças
  3. Discussões sobre doações e heranças do exterior
  4. A Reforma Tributária (PEC 45-A) e o ITCMD

1. O imposto sobre heranças – ITCMD

O Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) é um tributo estadual previsto na Constituição Federal de 1988, no artigo 155, inciso I.

O ITCMD incide sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de herança, legado, sucessão causa mortis e doações, tanto de pessoas físicas quanto de pessoas jurídicas. A alíquota do imposto é definida por cada Estado ou pelo Distrito Federal e pode variar de acordo com o tipo de transmissão e o valor do bem ou direito transmitido.

Os critérios de incidência do ITCMD são determinados pela legislação de cada unidade federativa. Geralmente, a base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido. No caso de heranças, a base de cálculo é o valor do acervo hereditário, ou seja, o conjunto de bens e direitos que compõem a herança. Já nas doações, a base de cálculo é o valor do bem ou direito doado.

Apesar de relativamente simples, a aferição do valor de tais bens pode gerar diversos tipos de discussões, seja pela ausência de critérios claros de avaliação, seja pelos inúmeros cenários e possibilidades interpretativos cabíveis para se atribuir um determinado valor ao bem.

Justamente pela multiplicidade de cenários, é importante estar atendo às diversas legislações estaduais e distrital sobre o ITCMD, pois alguns aspectos podem variar significativamente dependendo da localidade.

Situações envolvendo mais de uma localidade também podem ser particularmente complicadas, pois é comum que as legislações estaduais utilizem linguagem abrangente e busquem capturar o maior número possível de eventos para dentro de sua competência tributária.

2. Discussões sobre a legitimidade passiva do imposto sobre heranças

Dentro desse cenário, por exemplo, é possível localizar diversas discussões acerca da legitimidade passiva do imposto, em situações envolvendo mais de uma localidade.

Pelo princípio da territorialidade, o ITCMD deve ser pago ao Estado ou ao Distrito Federal onde estiver localizado o bem imóvel transmitido e ao Estado ou DF onde se processar o inventário ou arrolamento ou tiver domicílio o doador, no caso dos demais bens.

Apesar disso, porém, a legislação de São Paulo (Lei nº 10.705/2000) prevê que o contribuinte do imposto será o donatário residente no Estado (e, caso não residente, então será o doador).

Ou seja, a legislação paulista (assim como diversas outras) é orientada para a localização do donatário, embora a Constituição utilize como fato determinando a localização do doador. De todo modo, há previsão ampla para se tentar capturar o ITCMD tanto se o donatário ou o doador estiverem aqui.

Isso historicamente gera discussões sobre a legitimidade de cobrança do imposto e, como veremos adiante, pode estar perto do fim, na esteira da reforma tributária.

3. Discussões sobre doações e heranças no exterior

Outra questão complexa diz respeito a heranças e doações provenientes do exterior.

Nessas situações, a Constituição prevê a necessidade de uma lei complementar para regular a competência de cobrança do imposto. Ou seja, quando o doador tiver domicílio ou residência no exterior, ou quando o falecido possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior, os Estados não poderiam livremente cobrar o imposto, enquanto não houver regulamentação em lei complementar.

Essa lei, porém, nunca foi editada.

Nesse vácuo legislativo, porém, muitos Estados editaram suas próprias leis visando a cobrança do imposto nessas situações, alegando que, na ausência da legislação federal (nacional), eles teriam competência suplementar, nos termos do artigo 24, da Constituição.

Em análise do assunto, porém, o STF afetou para repercussão geral o Tema 825, no qual julgou a “possibilidade de os Estados-membros fazerem uso de sua competência legislativa plena, com fulcro no art. 24, § 3º, da Constituição e no art. 34, § 3º, do ADCT, ante a omissão do legislador nacional em estabelecer as normas gerais pertinentes à competência para instituir o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis ou Doação de quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, nas hipóteses previstas no art. 155, § 1º, III, a e b, da Lei Maior”.

Analisando a legislação de São Paulo, assim, o STF julgou o tema em março de 2021 e decretou a seguinte tese: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional“, afastando, assim, a pretensão dos Estados de atuar como legislador supletivo, na ausência de Lei Complementar.

Ainda, aplicou-se modulação de efeitos “ressalvando as ações judiciais pendentes de conclusão até o mesmo momento, nas quais se discuta: (1) a qual Estado o contribuinte deve efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação; e (2) a validade da cobrança desse imposto, não tendo sido pago anteriormente”.

Na esteira desse julgamento, ainda, a Procuradoria-Geral da República ajuizou 14 ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) para questionar as leis estaduais, a saber:

  • ADIs 6817, 6829, 6832 e 6837, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, ajuizadas contra Pernambuco, Acre, Espírito Santo e Amapá;
  • ADIs 6821 e 6824, de relatoria do ministro Alexandre de Moares, contra Maranhão e Rondônia;
  • ADIs 6825, 6834 e 6835, relatadas pelo ministro Edson Fachin, contra Rio Grande do Sul, Ceará e Bahia;
  • ADIs 6822, 6827 e 6831, relatadas pelo ministro Roberto Barroso, contra Paraíba, Piauí e Goiás;
  • ADIs 6836 e 6839, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, ajuizadas contra leis do Amazonas e de Minas Gerais.

Todas foram julgadas procedentes, com a declaração de inconstitucionalidade das previsões que determinavam a incidência do imposto nas situações de doação ou herança do exterior.

Em contrapartida, já há algum tempo tramita no Congresso Nacional projeto de lei complementar para suprir essa questão, mas sem previsão de aprovação.

Dupla tributação e o planejamento tributário

Além de toda essa discussão, as heranças e doações do exterior podem representar um desafio adicional para o contribuinte brasileiro, uma vez que a legislação tributária pode variar significativamente entre os países envolvidos. Além da questão do ITCMD, é importante considerar a possibilidade de dupla tributação, ou seja, a cobrança de impostos tanto no país de origem da transmissão quanto no Brasil.

Para minimizar os impactos fiscais decorrentes de heranças e doações internacionais, é fundamental um planejamento tributário adequado. A verificação de jurisdições com tratados de dupla tributação e regimes fiscais favoráveis pode ajudar a reduzir o ônus tributário global.

Em alguns casos, pode ser possível utilizar estruturas jurídicas como trusts e fundações para gerir o patrimônio no exterior, com o objetivo de proteger os ativos e reduzir a carga tributária. No entanto, é crucial observar as normas e regulamentos brasileiros e internacionais aplicáveis, evitando práticas abusivas que possam ser contestadas pelas autoridades fiscais.

Além disso, é importante salientar que as leis e tratados internacionais podem sofrer alterações ao longo do tempo. Portanto, uma análise periódica da situação tributária do contribuinte, com a devida atualização em relação às mudanças legislativas, é fundamental para garantir a conformidade e evitar surpresas fiscais desagradáveis, tal como estamos vendo no Brasil.

4. A Reforma Tributária (PEC 45-A) e o ITCMD

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 45/2019, também conhecida como a PEC da Reforma Tributária, é uma iniciativa que busca promover uma significativa mudança no sistema tributário brasileiro. O foco da reforma são os tributos federais ( PIS, COFINS e IPI) e os estaduais (ICMS) e municipais (ISS).

No entanto, recentemente tivemos a votação da PEC na Câmara dos Deputados e alguns pontos referentes também ao ITCMD chamaram a atenção e poderão influenciar nos aspectos que comentamos acima.

A inclusão do ITCMD na unificação tributária poderia gerar impactos importantes no planejamento sucessório e patrimonial dos contribuintes. Mudanças nas alíquotas, isenções e regras de incidência poderiam afetar a forma como as pessoas organizam suas transmissões de bens e direitos, exigindo uma revisão dos arranjos de proteção patrimonial e sucessória.

No entanto, não chegamos tão longe, mas o texto aprovado pela Câmara traz algumas mudanças.

Em relação à legitimidade ativa, a proposta altera o artigo 155, II da Constituição, para prever a competência do Estado onde era domiciliada a pessoa falecida, sendo hoje a CF prevê a competência do Estado onde se processar o inventário ou arrolamento.

Além disso, passa-se a prever a alíquota progressiva em razão do valor da transmissão e da doação, bem como a imunidade no caso de transmissões para entidades sem fins lucrativos e beneficentes, a ser regulamentada por lei complementar.

Ainda em uma tentativa de solucionar a questão das heranças e doações do exterior, o artigo 16 da PEC prevê que:

“Art. 16. Até que lei complementar regule o disposto no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal, o imposto incidente nas hipóteses de que trata aquele dispositivo competirá a:

I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;

II – se o doador tiver domicílio ou residência no exterior:

  1. a) ao Estado onde tiver domicílio o donatário ou ao Distrito Federal;
  2. b) se o donatário tiver domicílio ou residir no exterior, ao Estado em que se encontrar o bem ou ao Distrito Federal;

III – relativamente aos bens do de cujus, ainda que situados no exterior, ao Estado onde era domiciliado, ou, se domiciliado ou residente no exterior, onde tiver domicílio o herdeiro ou legatário, ou ao Distrito Federal.

Ou seja, em vez de simplesmente alterar o artigo 155, § 1º, III, que prevê a necessidade de lei complementar, a PEC cria uma solução provisória, para determinar que, no caso de doador domiciliado no exterior, o ITCMD será devido ao Estado onde domiciliado o donatário e se o donatário também se encontrar no exterior, para o Estado onde se encontrar o bem.

Essa última hipótese se aproxima muito da lógica do imposto de renda, que prevê sua incidência ainda que as partes estiverem fora do país, mas o bem objeto da transação esteja aqui.

No caso de herança, a proposta prevê que o ITCMD será devido ao Estado onde tiver domicílio o de cujus ainda que os bens estejam no exterior e caso ele seja domiciliado no exterior, para o Estado onde estiver seu herdeiro ou legatário.

Os próximos pontos de discussão que podemos esperar, caso esse texto seja de fato aprovado, seriam:

  • Em relação à necessidade ou não de novas leis estaduais após a aprovação da PEC, considerando as ADINs que foram julgadas pelo STF (embora algumas ainda não tenham transitado em julgado); e,
  • Aplicação ou não do princípio da anterioridade anual e nonagesimal para fins de cobrança desse imposto, nessas condições.

Como se vê, a estrutura em si do ITCMD parece não estar em risco próximo de ser alterada, mas novas discussões e litígios podem ser esperados, sendo importante ter o acompanhamento de toda essa situação em planejamentos sucessórios.

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