Foi publicada, no passado dia 21.08.2017, a Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto, que, entre outras medidas, aprovou o Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo ("RCBE") previsto artigo 34.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto (Novas medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo), e que transpõe o capítulo III da Diretiva (UE) 2015/849, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo ("4.ª Diretiva"). Até à presente data, a 4.ª Diretiva apenas foi transposta por cerca de metade dos Estados- Membros, não tendo, pois, sido observado o prazo limite para a sua transposição, que terminou a 26 de junho de 2017.

Esta lei entrará em vigor no próximo dia 20 de novembro, tendo ainda de ser regulamentada através de portaria a emitir pelo Governo.

O RCBE será constituído por uma base de dados, parcialmente de acesso público, da qual passarão a constar os elementos de identificação da pessoa ou pessoas singulares que, direta ou indiretamente, detenham a propriedade ou o controlo efetivo das diversas entidades sujeitas a este novo registo obrigatório, sendo totalmente inovador no panorama empresarial português.

1. AS ENTIDADES ABRANGIDAS E EXCLUÍDAS DO RCBE

Estarão sujeitas ao RCBE, designadamente (i) as associações, cooperativas, fundações, sociedades civis e comerciais, bem como quaisquer outros entes coletivos personalizados, sujeitos ao direito português ou ao direito estrangeiro, que exerçam atividade ou pratiquem ato ou negócio jurídico em território nacional que determine a obtenção de um número de identificação fiscal ("NIF") em Portugal, (ii) as representações de pessoas coletivas internacionais ou de direito estrangeiro que exerçam atividade em Portugal, (iii) outras entidades que, prosseguindo objetivos próprios e atividades diferenciadas das dos seus associados, não sejam dotadas de personalidade jurídica, e (iv) os trusts e as sucursais financeiras exteriores registadas na Zona Franca da Madeira ("Entidades Abrangidas").

Por seu turno, é também vasto o leque de entidades excluídas do âmbito de aplicação do RCBE, entre as quais se incluem

(i) as sociedades com ações admitidas à negociação em mercado regulamentado (as chamadas "sociedades cotadas") desde que sujeitas a requisitos de divulgação de informação consentâneos com o direito da União Europeia ou a normas internacionais equivalentes, (ii) os consórcios e os agrupamentos complementares de empresas e (iii) os condomínios, quanto a edifícios que se encontrem constituídos em propriedade horizontal, mas apenas se o seu valor patrimonial global não exceder EUR 2.000.000,00 e desde que não seja detida uma permilagem superior a 50% por um único titular, por contitulares ou por pessoas singulares que sejam considerados beneficiários efetivos ao abrigo da nova lei de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.

2. O REGISTO "INTERNO" DOS BENEFICIÁRIOS EFETIVOS

Com a entrada em vigor do regime jurídico do RCBE, as sociedades comerciais (e, na medida do aplicável, as restantes Entidades Abrangidas) deverão passar a manter um registo atualizado dos elementos de identificação (i) dos respetivos sócios – com indicação das respetivas participações sociais

-, (ii) das pessoas singulares que detêm, direta ou indiretamente, a propriedade das participações sociais e (iii) de quem, por qualquer forma, detenha o controlo efetivo1 das sociedades comerciais e demais Entidades Abrangidas. No caso de as pessoas ou entidades referidas em (i), (ii) e (iii) serem estrangeiras e não residentes num Estado- Membro da União Europeia, terão igualmente de constar desse registo "interno" os dados dos respetivos representantes fiscais registados  junto da Autoridade Tributária portuguesa.

3. AS NOVAS OBRIGAÇÕES DECLARATIVAS E O SEU ALCANCE

Para além do referido registo interno, as sociedades comerciais – e as demais Entidades Abrangidas -, passarão a estar obrigadas a comunicar às autoridades competentes informação considerada suficiente, exata e atual sobre os seus beneficiários efetivos, bem como todas as circunstâncias indiciadoras dessa qualidade e sobre o interesse económico nelas detido.

No que respeita às Entidades Abrangidas já constituídas, o prazo para a primeira declaração relativa ao beneficiário efetivo será definido por portaria ainda a emitir pelo Governo.

Quanto às Entidades Abrangidas que venham a ser constituídas após a entrada em vigor da nova lei, a declaração inicial do beneficiário efetivo passará a ser efetuada com o registo de constituição ou com a primeira inscrição no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas, consoante se trate ou não de entidade sujeita a registo comercial.

4. O CONTEÚDO DA DECLARAÇÃO DO BENEFICIÁRIO EFETIVO

A declaração relativa aos beneficiários efetivos terá que incluir todos os elementos relevantes sobre:

  1. A entidade sujeita ao RCBE;
  2. No caso de sociedades comerciais, a identificação dos titulares do capital social, com discriminação das respetivas participações sociais;
  3. A identificação dos gerentes, administradores oudequemexerçaagestãoouaadministração da entidade sujeita ao RCBE;
  4. Os beneficiários efetivos; e (v.) O declarante.

No caso de a Entidade Abrangida e de os titulares das participações sociais serem pessoas coletivas, os elementos relevantes a comunicar serão: (i) o número de identificação de pessoa coletiva, sendo entidades portuguesas, ou o NIF ou número equivalente emitido pela autoridade competente da jurisdição de residência, no caso de entidades estrangeiras, (ii) a denominação e a natureza jurídica, (iii) a sede, (iv) o código de atividade económica (CAE), (v) o identificador único de entidades jurídicas, quando aplicável, e (vi) o endereço eletrónico institucional.

Além da informação sobre a Entidade Abrangida e o declarante, no caso específico dos trusts terá ainda de ser comunicada informação sobre (i) o fundador ou instituidor, (i) administrador ou administradores fiduciários e, se aplicável, os respetivos substitutos, quando sejam pessoas singulares, (ii)os representantes legais do administrador ou dos administradores fiduciários, quando esses sejam pessoas coletivas, (iv) o curador, se aplicável, (v) os beneficiários e, quando existam, os respetivos substitutos (exceto se tais pessoas não tiverem sido identificadas, caso em que terão de ser objeto de declaração todas as circunstâncias que permitam a identificação da categoria ou categorias de pessoas em cujo interesse o trust foi constituído ou exerce a sua atividade), e (vi) qualquer outra pessoa singular que exerça o controlo efetivo.

Relativamente ao beneficiário efetivo e às pessoas singulares que sejam titulares de participações no capital social, gerentes, administradores (ou que exerçam função similar) em Entidades Abrangidas, declarantes, e, no que respeita aos trusts, fundadores ou instituidores, administradores ou administradores fiduciários (e respetivos substitutos), representantes legais de pessoas coletivas nomeadas administradores ou administradores fiduciários ou curadores, terão de ser comunicados: (i) nome completo, (ii) data de nascimento, (iii) naturalidade, (iv) nacionalidade, (v) morada completa de residência permanente, (vi) dados do documento de identificação, (vii) NIF e (viii) endereço eletrónico de contacto, quando exista.

Serão todos estes elementos relevantes que integrarão o RCBE.

Qualquer alteração aos referidos elementos deverá igualmente ser objeto de comunicação – para o efeito, a Entidade Abrangida deverá observar o prazo máximo de 30 dias contado a partir da data do facto que determine a alteração.

5. AS FORMAS DE CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES RELATIVAS AO RCBE

As obrigações declarativas decorrentes do RCBE poderão ser cumpridas pelas Entidades Abrangidas através do preenchimento e submissão de um formulário eletrónico (nos termos da portaria ainda a publicar) ou junto de um serviço de registo, mediante o preenchimento eletrónico assistido, a entregar conjuntamente com o pedido de registo comercial ou de inscrição de qualquer facto no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas.

Para além das declarações iniciais e de eventuais declarações de alteração, as Entidades Abrangidas terão ainda de confirmar anualmente todas as informações sujeitas a registo, o que poderá ser feito através de declaração anual a entregar até ao dia 15 de julho de cada ano, e que, no que respeita às entidades sujeitas a apresentação da Informação Empresarial Simplificada ("IES"), será apresentada juntamente com esta.

6. LEGITIMIDADE PARA APRESENTAR A DECLARAÇÃO DO BENEFICIÁRIO EFETIVO (DECLARANTES)

Esta declaração poderá ser apresentada (i) pelos membros dos órgãos de administração das sociedades (ou pelas pessoas que desempenham funções equivalentes noutras pessoas coletivas), (ii) por advogados, notários e solicitadores e, ainda, (iii) por contabilistas certificados (quanto a estes, apenas no âmbito da submissão da declaração de início de atividade ou da entrega anual da IES).

Nos casos em que sejam adotados os procedimentos simplificados de constituição imediata ou online de pessoas coletivas, a declaração do beneficiário efetivo poderá igualmente ser efetuada pelos respetivos fundadores.

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Footnote

1 A redação legal não fica isenta de dúvidas: nada se diz sobre o que se entende, para efeitos do RCBE, por controlo efetivo da sociedade, pelo que nos parece que o legislador deixou a porta (entre)aberta para interpretações contraditórias sobre o conceito, o que poderá resultar na criação de novos mecanismos, de maior ou menor complexidade, que permitirão aos reais beneficiários efetivos das sociedades conservar o seu anonimato.

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