Na sequência de um grande coro de protestos, protagonizado em grande medida pela Ordem dos Advogados, o Regime Jurídico do Processo de Inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março, que desde setembro de 2013 e depois de várias versões inoperantes, regulava as partilhas de heranças e de patrimónios matrimoniais, encontrou o seu prematuro fim.

Com data prevista de vigência para o primeiro dia de 2020, a Lei n.º 117/2019, publicada na sexta-feira, 13 de setembro, veio repor a competência prioritária no âmbito dos processos de inventário nas mãos dos Tribunais Civis, empurrando os Notários para uma posição residual e que pouco maior aplicação terá do que a partilha consensual.

Esta enorme alteração faz também regressar o processo especial de inventário judicial à sistemática do Código Civil, mantendo porém um paralelo regime de inventário notarial em diploma autónomo, em formulação legislativa a nosso ver de clareza duvidosa e de difícil acesso ao cidadão.

Sem qualquer preâmbulo explicativo ou exposição de motivos, o novo regime do inventário regula agora os procedimentos destinados a fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens, relacionar os bens que constituem objeto de sucessão e servir de base à eventual liquidação da herança, sempre que não haja que realizar a partilha da herança, partilhar bens em consequência da justificação da ausência e partilhar bens comuns do casal, após separação judicial de bens, pessoas e bens ou divórcio.

O inventário, que, numa estratégia que foi reforçada com as imposições da troika FMI-Banco Europeu-Comissão Europeia de redução de pendências judicias, havia transitado totalmente para a competência de Notários, oficiais privados e pagos pelos intervenientes, volta agora a ser competência exclusiva dos Tribunais Civis nos casos em que intervenha incapaz cujo interesse o Ministério Público entenda implicar aceitação beneficiária ou ausente em parte incerta ou incapaz de facto permanente; quando o inventário seja dependência de outro processo judicial (e portanto e desde logo, em todos os casos de divórcio litigioso) ou quando seja requerido pelo Ministério Público.

Fora estes casos, a Lei mantém uma competência aparentemente opcional entre Tribunais e Notários, mas esta última depende da aceitação, pelo menos tácita, de todos os intervenientes, que em todo o caso a qualquer momento podem requerer o envio para os Tribunais.

O processo inicia-se como já acontecia, mediante o impulso do cabeça-de-casal ou de qualquer interessado e conduz de imediato a uma primeira intervenção do Juiz, que procede a uma apreciação liminar do requerimento. Embora esta apreciação liminar seja similar à que se operava no processo notarial atual, ela constitui de facto um desvio significativo ao processo civil comum, que desde 1995 relega a intervenção do Juiz para uma fase mais tardia, posterior a alguma estabilização de posições — o que, em termos de celeridade processual, não deixará de ser um obstáculo eventualmente dispensável.

Apenas depois desta fase liminar, se procede à convocação dos interessados, os quais podem, num prazo que agora passa de 20 para 30 dias, impugnar o inventário e a relação de bens, bem como a qualidade do cabeça-de-casal. Por sua vez, o prazo de resposta à impugnação passa dos atuais 10 (relação de bens) e 15 (impugnação) dias, para uns mais razoáveis 30 dias.

Após esta fase de formulação de argumentos, pode agora o Juiz, discricionariamente, convocar uma audiência prévia destinada fundamentalmente à composição amistosa total ou parcial do diferendo.

Segue-se agora uma nova fase de saneamento processual, ausente do processo de inventário notarial que até agora vigorava, aparentemente coerente com o novo pendor judicializante do novo regime. De facto, nas mãos do Notário, o processo evoluiria de imediato para uma conferência preparatória, que visava já a própria repartição dos bens a partilhar.

É curioso verificar que, no regime ainda em vigor, e dado o limitado poder decisório do Notário no regime que agora termina, as questões materiais, referentes à inclusão ou exclusão de bens do âmbito do inventário e que assentavam na discussão da própria natureza comum ou própria de determinados bens, não era sujeita ao conhecimento no próprio processo, implicando que as partes instaurassem ações judiciais de reivindicação no tribunal, as quais não suspendiam, por regra, o processo de inventário.

Ora, se considerarmos que de forma preponderante, a discussão em especial na partilha na sequência de divórcio, resultava de divergências quanto àquela natureza, o prosseguimento da partilha apenas dos bens inquestionavelmente comuns constituía um verdeiro nado-morto, podendo conceber-se um inventário sem bens, que terminaria com uma partilha de nada, enquanto os interessados se degladiariam nos Tribunais pela natureza comum dos bens cuja divisão havia necessariamente suscitado o inventário, para começar. E, o insólito, de findo o inventário, ter de vir este a ser reaberto uma vez que um novo bem fosse finalmente julgado comum.

Esperar-se-ia que a colocação nas mãos dos Tribunais viesse introduzir alguma lógica neste processo, não fazendo prosseguir uma partilha omissa quanto a bens controvertidos. Supreendentemente tal não acontece, sendo também pelo Juiz remetidas as partes para os meios comuns (isto é, ações de reivindicação de propriedade) e prosseguindo a partilha com os bens aceites como comuns.

O novo regime porém traz grandes alterações ao nível das custas processuais. De facto, o regime ainda em vigor recorria à portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto, que continha uma tabela assente nos valores aplicados no Regulamento das Custas Processuais, mas que não continha algumas das ressalvas deste último. Este sistema redundava assim num agravamento significativo do valor das custas e, mais grave, da taxa de justiça inicial, que assim implicava um grande esforço financeiro à parte que espoletasse o processo, muitas vezes dissuasor da sua instauração.

Passa assim agora a aplicar-se, simplesmente, o Regulamento das Custas Processuais, nomeadamente com a limitação do seu artigo 6.º, n.º 7, que relega o pagamento do excedente de custas para depois da decisão final, fazendo-o recair apenas sobre a parte que decaia. A iniciativa processual, passa, assim, a ter um teto máximo de € 816,00.

A restante disciplina do processo de inventário mantém a lógica anterior. Fica-nos porém a dúvida, sabendo que os processos de inventário judicial foram, desde sempre, os mais demorados (existem ainda hoje processos de inventário pendentes iniciados há mais de 20 anos), se a feitura do novo regime realmente teve a preocupação de realmente identificar os nós górdios do processo. A pouca preocupação que constatamos na atribuição da competência, relegando assim o processo de inventário para as Instâncias Centrais Cíveis dos Tribunais de Comarca, sem qualquer ajuste, deixa antever que pouco se alterará relativamente ao lento processo que procedeu a revolução da transferência de competências para os Notários, entidades apesar de tudo mais maleáveis e sensíveis ao contacto direto dos Interessados.

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