Custeio do sistema sindical está uma bagunça e a solução não parece estar próxima.

Independentemente de seus eventuais méritos, a Reforma Trabalhista aprovada a toque de caixa deixou muitos fios soltos. Várias mudanças foram adotadas sem maior reflexão quanto aos seus efeitos práticos e suas interações com outras partes da legislação brasileira e da própria Constituição. A reforma legislativa está formalmente concluída, mas, agora, diversas de suas inovações começam a produzir incerteza.

É o caso da alteração que tornou facultativa a contribuição sindical antes obrigatória.

Há tempos o sistema sindical brasileiro sofre duras críticas. Uma delas diz respeito à crise de representatividade proporcionada pelo sistema. O monopólio de representação – resultado do engessado regime da unicidade sindical – e a existência de uma fonte compulsória de custeio incentivaram a proliferação de sindicatos de fachada, sem capacidade organizacional ou sequer compromisso em representar suas categorias.

Hoje existem no Brasil mais de 16.000 sindicatos. Poucos desses são capazes de negociar com eficiência e defender os interesses de suas categorias usando as fontes de renda estabelecidas pela lei. O problema, portanto, vai além da forma de custeio dos sindicatos.

A Lei nº 13.467/17, Lei da Reforma Trabalhista, buscou trazer algumas mudanças nesse sentido. A contribuição sindical passou a ser facultativa. Os empregadores apenas poderão descontar a contribuição dos salários dos empregados que assim tenham autorizado prévia e expressamente. Da mesma forma, contribuem aos sindicatos patronais os empregadores que assim optarem.

A Reforma parece partir de duas premissas. Primeiro, a de que os trabalhadores teriam um acesso súbito de civismo e, em plena crise econômica, seguiriam contribuindo para os sindicatos "de verdade", que realmente trabalham em seu favor. Segundo, a de que seriam capazes de separar o joio do trigo: de um lado, os sindicatos bons e sérios, comprometidos com os trabalhadores; do outro, os de fachada, "pelegos" criados para enriquecer seus dirigentes e/ou promover negociações mais amigáveis com o empresariado.

As duas premissas são problemáticas. Em sua maioria, os trabalhadores não conhecem a qualidade do trabalho de seus sindicatos, e tendem a não aceitar contribuir para quem não conhecem. Assim, eliminou-se a fonte de custeio oficial dos bons e dos maus sindicatos indiscriminadamente.

Em resposta à Reforma, muitos sindicatos têm defendido que transformar a contribuição sindical em facultativa é inconstitucional. O argumento é o de que, sendo a contribuição sindical um tributo (o que já foi afirmado diversas vezes pelo Supremo em outros contextos), seu regime não poderia ser alterado por lei ordinária, mas apenas por lei complementar.

Primeiro, porque, segundo alguns, a própria criação – e, por consequência, alteração do regime – da contribuição sindical dependeria de lei complementar. Segundo, porque, ao transformar a contribuição em facultativa, a lei criaria um conflito com o art. 3º do CTN (diploma recepcionado pela Constituição Federal como lei complementar), segundo o qual "tributo é toda prestação pecuniária compulsória  (...)".

O primeiro fundamento não parece correto. Não há dispositivo na Constituição exigindo, expressamente, que a União estabeleça e regule a contribuição sindical por meio de lei complementar. Aliás, a contribuição foi estabelecida e vinha sendo cobrada por força da CLT, um decret0-lei recepcionado pela Constituição Federal como lei ordinária.

O segundo fundamento, porém, merece análise mais detida. A alteração legal criou, de fato, um tipo que desafia a própria definição tradicional de tributo, que é dada por lei complementar. Interessante notar, no entanto, que esse "tributo" reverte para um ente privado, o sindicato, e não para a Administração Pública. Seria a contribuição sindical realmente um tributo, ou foi como tal tratada por aplicação atécnica do termo por ser até recentemente obrigatória?

Nesse cenário, alguns sindicatos têm obtido, na Justiça do Trabalho, medidas liminares acolhendo a tese da inconstitucionalidade e determinando às empresas o desconto e o repasse das contribuições sindicais dos salários de seus empregados. Decisões como esta já foram proferidas por juízes do Rio de Janeiro/RJ1, de Florianópolis/SC2 e de Lages/SC3. Algumas destas decisões já foram suspensas por meio de liminares deferidas em mandados de segurança4.

Está instalada a incerteza, e, com ela, o desequilíbrio. A incerteza será, principalmente, dos empregados e das empresas que, desde já, não sabem se terão ou não que pagar suas contribuições. O desequilíbrio, por sua vez, será causado pelo provável emaranhado de decisões em sentidos diferentes que está se criando. Alguns sindicatos movem ações, outros não; alguns obtêm decisão favorável, outros não. Como resultado, algumas entidades continuarão com sua principal fonte de renda, tendo maior capacidade de defender as classes representadas, enquanto outros sindicatos – talvez até particularmente sérios e comprometidos – terão que trilhar caminhos mais difíceis.

Mais ainda, esse cenário aumenta o poder das empresas, que podem facilitar ou dificultar a comunicação dos sindicatos com seus trabalhadores, para tentar convencê-los a manter a contribuição antes obrigatória. Podem também até mesmo concordar em fazer novas contribuições em favor dos sindicatos de trabalhadores – atitude questionável do ponto de vista de conformidade com a lei, na medida em que essa contribuição voluntária do empregador pode funcionar como efetivo "lubrificante" das relações negociais com o sindicato.

Há hoje, no Supremo, oito ações diretas de inconstitucionalidade discutindo o tema da facultatividade da contribuição sindical5. Até que o Tribunal decida o tema, corre-se o risco de viver situação "lotérica": a contribuição será obrigatória à categoria (ou não), a depender da propositura de ação pelo sindicato e do juiz que a analise.

Mas a insegurança pode não acabar por aí. Imaginemos que o Supremo decida, por exemplo, pela constitucionalidade dos dispositivos da Reforma que trataram do tema e, por consequência, pela facultatividade da contribuição. Como ficam aquelas sentenças que chancelaram os pedidos dos sindicatos e condenaram as empresas a fazer os recolhimentos, e já transitaram em julgado? Prevalece a coisa julgada ou prevalecem os efeitos erga omnes da decisão tomada em ADI?

Esse imbróglio é idêntico àquele vivido pela Fazenda Pública Nacional e pelas empresas beneficiadas por decisões que as isentaram de recolher a CSLL (contribuição social sobre lucro líquido), desde 2007, quando o Supremo decidiu pela constitucionalidade da lei de 1988 que instituiu o tributo. Empresas beneficiadas pelas decisões judiciais transitadas em julgado alegam não ter que cumprir a lei reconhecida constitucional pelo Supremo. O tema deve ser decidido pela Corte no julgamento do RE 949.297.

Levará tempo para conhecermos os desfechos destas novelas. O que se espera é que, superada a natural e inevitável fase de insegurança trazida pelas novidades da Reforma, cheguemos a um ambiente mais confiável e equilibrado para as relações sindicais. Se a Reforma só vale para alguns sindicatos, o risco de assimetria criado pelo fim da contribuição obrigatória se tornará um desequilíbrio concreto entre sindicatos – e sem que a sua capacidade de representar bem o trabalhador seja de fato determinante. 

Footnotes

1 Ação Civil Pública nº 0100111-08.2018.5.01.0034, em trâmite perante a 34ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro/RJ, em que são partes o Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem do Rio de Janeiro e Prolar ID Serviços Médicos Ltda.

2 Ação Civil Pública nº 0000084-35.2018.5.12.0026, em trâmite perante a 3ª Vara do Trabalho de Florianópolis/SC , em que são partes o Sindicato dos Empregados em Posto de Venda de Combustíveis e Derivados de Petróleo da Grande Florianópolis e Auto Posto Imperador EIRELI – ME.

3 Ação Civil Pública nº 0001183-34.2017.5.12.0007, em trâmite perante a 1ª Vara do Trabalho de Lages/SC, em que são partes o Sindicato dos Auxiliares em Administração Escolar da Região Serrana – SAAERS e Sociedade Educacional Santo Expedito Ltda. – EPP, e Ação Civil Pública nº 0001193-78.2017.5.12.0007, em que são partes a Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Santa Catarina e o Município de Lages/SC.

4 É o caso da decisão liminar proferida na Ação Civil Pública nº 0001193-78.2017.5.12.0007, suspensa por força de decisão liminar proferida pelo TRT da 12ª Região no bojo do Mandado de Segurança nº 0000094-60.2018.5.12.0000, impetrado pelo Município de Lages/SC.

5 ADI's nº 5.794, 5.810, 5.811, 5.813, 5.815, 5.850, 5.859, 5.865.

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