COMISSÃO DE JURISTAS APRESENTA À CÂMARA DOS DEPUTADOS ANTREPROJETO DE LEI DE PROTEÇÃO DE DADOS PARA O ÂMBITO DO DIREITO PENAL

Uma comissão de juristas apresentou à Câmara dos Deputados um anteprojeto de lei de proteção de dados no âmbito da segurança pública e da investigação criminal. A comissão para a elaboração do anteprojeto foi formada a pedido do próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, no final de 2019, em observação ao § 1º, do artigo 4º, da Lei nº 13.709/2018, também conhecida como "Lei Geral de Proteção de Dados". Segundo o referido parágrafo, o tratamento de dados pessoais relacionados à segurança pública e do Estado, à defesa nacional e a atividades de investigação e represessão de infrações penais seria regido por legislação específica.

De acordo com a exposição de motivos do anteprojeto, uma legislação específica de proteção de dados em matéria penal se fundamenta na necessidade de segurança jurídica aos órgãos de segurança pública e de investigações criminais, para que exerçam suas funções com maior eficiência e eficácia sempre de forma compatível com as garantias processuais e os direitos fundamentais dos titulares de dados envolvidos.

Dentre as balizas e parâmetros fixados pelo anteprojeto, pode-se destacar a previsão de que o tratamento de dados pessoais (coleta, utilização, acesso, distribuição, uso compartilhado, transferência etc.) somente poderá ocorrer quando necessário para o cumprimento da atribuição legal da autoridade competente, observados (a) os princípios gerais de proteção de dados, (b) os direitos do titular e o acesso à informação e (c)  transparência.

Vale destacar que o anteprojeto veda o tratamento de dados pessoais por pessoa de direito privado. Do mesmo modo, toda e qualquer requisição administrativa ou judicial deverá indicar o fundamento legal e a motivação concreta, o que inclui adequação, necessidade e proporcionalidade.

Questão salutar – e, também, salientado pelo projeto – é o fato de que a existência de legislação específica para questões criminais supriria lacuna no ordenamento jurídico brasileiro, que se consubstancia no problema da falta de adequação dos órgãos brasileiros de investigação aos padrões internacionais de segurança no fluxo e tratamento de dados no âmbito da inteligência e da investigação criminal em caráter global.

Um outro problema característico do ordenamento jurídico brasileiro, e que o anteprojeto tentar sanar, é a ausência de proteção dos cidadãos frente a utilização de seus dados para fins investigativos. Isto é, não há até o momento regulação sobre a licitude, transparência e segurança no tratamento dos dados, tampouco há direitos estabelecidos ou requisitos para a utilização de novas tecnologias que hoje possibilitam um grau de vigilância e monitoramento nunca visto antes.

Apesar dos avanços trazidos pelo anteprojeto, a Procuradoria-Geral da República ("PGR") apresentou nota técnica contrária ao texto do anteprojeto. Segundo a referida nota, em vez de o projeto estabelecer balizas para o intercâmbio de dados entre autoridades competentes, acaba por estabelecer restrições desproporcionais e distantes da realidade.

É importante frisar que tal posicionamento por parte da PGR já era esperado. Isso porque, ao passo que o anteprojeto estabelece limites no trato de dados pessoais e sigilosos, inclusive por meio da criminalização da trasmissão ilegal de dados pessoais, ele também acaba por impor barreiras às autoridades públicas que, durante o desenrolar de grandes operações, costumavam operar por meio de cooperações jurídicas internacionais e outras formas de compartilhamento de dados de forma questionável, ao compartilhar, requisitar e transferir dados sigilosos por meio de aplicativos de celular, ou seja, fora dos meios oficiais de cooperação jurídica internacional.

Por fim, é importante deixar claro que o anteprojeto, ainda pendente de análise e votação pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, de modo algum visa a obstaculizar as atividades das delegacias de polícia ou do Ministério Público. O que se busca, em verdade, é estabelecer direitos, balizas e padrões de ingerência que devem ser levados em consideração no momento do manuseio de dados pessoais e sigilosos ao longo do deslinde de investigações criminais.

STJ RECONHECE O DIREITO AO ESQUECIMENTO E AFASTA O USO DE CONDENAÇÕES MUITO ANTIGAS PARA AUMENTAR A PENA DE PRISÃO

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), no julgamento de um Recurso Especial, reconheceu o direito ao esquecimento e afastou o uso de condenações anteriores muito antigas como maus antecedentes para fundamentar o aumento da pena-base na condenação de um novo crime.

No caso concreto, um indivíduo foi condenado em 2001 pelos crimes de tentativa de roubo qualificado e tráfico de drogas, cujas penas aplicadas teriam sido extintas em 2007. No entanto, em 2017, o mesmo indivíduo foi condenado por novo crime de tráfico de drogas. Na oportunidade, a juíza reconheceu as condenações pretéritas como maus antecedentes, aumentou a pena-base de cinco para sete anos de reclusão e fixou o regime fechado para o início do cumprimento de pena.

Após a interposição de apelação pelo indivíduo condenado e pelo Ministério Público, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ainda em 2017, entendeu não ser razoável utilizar as condenações pretéritas, cujas penas já haviam sido cumpridas há 10 anos, para aumentar a pena imposta. Inconformado com a decisão, o Ministério Público apresentou Recurso Especial ao STJ.

No julgamento do Recurso Especial, já em 2020, o STJ salientou que admitir o uso de condenações extintas há mais de 10 anos para aumentar a quantidade de pena por um novo crime viola o artigo 5º, XLVII, da Constituição Federal, que prevê a vedação de penas de caráter (ou repercussão) perpétuo. Como consequência, o Tribunal reconheceu ao indivíduo o direito ao esquecimento que, em síntese, significa que circunstâncias desfavoráveis não podem perseguir para sempre os indivíduos nelas envolvidos.

A decisão do STJ é salutar, pois dialoga, ainda que contrariamente, com recente precedente do Supremo Tribunal Federal ("STF") por meio do Recurso Extraordinário nº 593.818/SC, em que se fixou a tese de que os maus antencedentes podem ser utilizados a qualquer tempo para aumentar a quantidade de pena, pois a eles não se aplica o prazo de 05 anos contados do trânsito em julgado da última condenação, regra esta verificável para o reconhecimento da reincidência (art. 64, I, do Código Penal).

Por fim, a decisão acaba por estabelecer importante baliza que pode ser observada no caso concreto para que o entendimento do STF não cause injustiças. Isso porque, segundo os Ministros do STJ, a posição do STF não afasta a possibilidade de se descartar uma avaliação negativa dos maus antecedentes, especialmente quando diante de um extenso lapso temporal transcorrido entre a última e a nova condenação.

STJ DECIDE QUE COMPETE À JUSTIÇA ESTADUAL JULGAR FRAUDES COMETIDAS PELA INTERNET POR INDIVÍDUOS LOCALIZADOS NO EXTERIOR

O Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), no julgamento de conflito de competência, entendeu que cabe à Justiça Estadual processar e julgar fraudes cometidas pela internet por indivíduos localizados no exterior. No caso concreto, pessoas localizadas em outros países se valeram do nome e da marca de uma famosa joalheria para divulgar mensagens e e-mails fraudulentos com supostas promoções e entregas de prêmios.

A joalheria informou a ocorrência à Polícia Civil de Santana de Parnaíba/SP e requereu a apuração de possíveis crimes contra a propriedade industrial. No desenrolar das investigações, o juízo estadual declinou a competência sob o argumento de que, como as fraudes vitimaram diversos consumidores em todo Brasil e fora dele, competeria à Justiça Federal processar e julgar os referidos crimes.

Em outra oportunidade, a Terceira Seção do STJ, por ocasião do julgamento do Conflito de Competência nº 163.420, sustentou que, apesar de já ter decidido que compete à Justiça Federal processar e julgar delitos desenvolvidos na internet não apenas quando o acesso da publicação ocorre no estrangeiro, senão também quando a amplitude do meio de divulgação tenha o condão de possibilitar o acesso (Conflito de Competência nº 163.420/PR), tais critérios por si só não seriam suficientes para atrair a competência da Justiça Federal.

Utilizando desse argumento, o STJ entendeu que, quando se verifica crime cometido pela internet por indivíduos localizados no exterior, ou por indivíduos no Brasil cuja conduta repercute no exterior, é necessário se ter em conta os requisitos estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 628.624, em 2015. Na ocasião, a Suprema Corte fixou que será competente a Justiça Federal quando o a) o fato for previsto como crime no Brasil e no estrangeiro; b) quando o Brasil for signatário de convenção ou tratado internacional por meio do qual assumiu o compromisso de reprimir criminalmente aquela espécie delitiva; e c) quando a conduta tenha ao menos se iniciado no Brasil e o resultado tenha ocorrido, ou deveria ter ocorrido, no exterior, ou vice-versa.

Diante desse panorama, o STJ arguiu que não havia elementos probatórios de que as condutas contra a propriedade industrial também são criminalizadas nos países atingidos pelos conteúdos fraudulentos. Ademais, foi dito que o Brasil não é signatário de qualquer convenção ou tratado internacional no qual se comprometa a criminalizar violações contra os registros de marcas.

Ainda, foi alegado que não se poderia utilizar do argumento de que a apuração de crimes contra a propriedade industrial atingiria o interesse da União, em razão da posição central do Instituto Nacional de Propriedade Industrial ("INPI") no sistema de proteção à propriedade industrial no Brasil.

Além disso, relembrou o STJ que a pretensão dos fraudatores não seria violar o direito da marca, mas, sim, obter vantagens ilícitas, o que configuraria somente o crime de estelionato. Nessa hipótese, a competência para o julgamento ainda pertenceria à justiça estadual, porquanto estaria ausente o requisito da existência da adesão à convenção ou tratado internacional por meio do qual o Brasil assume o compromisso de reprimir criminalmente fraudes no âmbito cibernético.

SENADO APROVA PROJETO DE LEI QUE AUMENTA PENAS PARA CRIMES COMETIDOS DE FORMA ELETRÔNICA OU PELA INTERNET

O Senado aprovou o Projeto de Lei nº 4.554/2020, que visa a alterar o Código Penal para aumentar a pena dos crimes de violação de dispositivo informático (art. 154-A), furto qualificado (art. 155, § 4º) e estelionato (art. 171), praticados por meio eletrônico ou pela internet. O projeto ainda propõe alteração no Código de Processo Penal, de modo a determinar que referidos crimes sejam processados e julgados no lugar do domicílio ou da residência da vítima.

No caso do crime de violação de dispositivo informático para o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização do usuário do dispositivo, ou de instalar vulnerabilidades para ober vantagens ilícitas, a pena hoje prevista é de 03 meses a 01 ano de detenção, e multa. A proposta do projeto aprovado pelo Senado é aumentar referida pena para o patamar de 02 a 05 anos de reclusão, e multa.

Já no crime de furto qualificado – mais grave que o furto comum -, hoje punido com penas que variam de 02 a 10 anos de reclusão, a depender do caso concreto, o projeto visa incluir a hipótese em que o furto é cometido por meio de dispositivo eletrônico ou informático, conectado ou não à internet, com ou sem violação de mecanismo de segurança ou utilização de programa malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo. Ademais, na referida hipótese, a pena aplicada seria de reclusão de 04 a 08 anos, e multa. Ainda, o projeto também prevê que essa pena pode ser aumentada de 1/3 a 2/3 se o crime é praticado mediante a utilização de servidor mantido no exterior, e de 1/3 até o dobro se o crime for praticado contra idoso ou vulnerável.

No caso do crime de estelionato, hoje punido com pena de reclusão de 01 a 05 anos, e multa, se for praticado com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos, e-mail fraudulento ou outro meio análogo, o projeto prevê uma pena de reclusão de 04 a 08 anos, e multa. Outrossim, se o crime for praticado mediante a utilização de servidor mantido no exterior, a referida pena será aumentada de 1/3 a 2/3. Se o crime for praticado contra idoso ou vulnerável, a pena será aumentada de 1/3 até o dobro.

Diante dessa situação, é importante deixar clara a relevância do referido projeto. É notório o aumento do número de fraudes desenvolvidas por meio de meios eletrônicos e da internet nos últimos anos. Tal número ainda foi agravado pela atual situação da pandemia do Coronavírus, em que o uso da internet por parte da população se intesificou. Assim, era de se esperar que em momentos de crise o legislador se voltasse para o Direito Penal na tentativa de dar uma resposta satisfatória à sociedade aos fenômenos criminógenos. Ocorre que tal atitude pode não gerar os efeitos aguardados.

É sabido por todos aqueles que atuam diariamente no judiciário, sobretudo com questões penais, que o atual problema da criminalidade cibernética não reside na quantidade de pena aplicada ao caso concreto, mas, sim, na dificuldade em se investigar e em identificar os fraudadores. Assim, se a expectativa em relação ao aumento da pena é dissuadir os criminosos, a atual proposta pode não atingir os seus objetivos, já que o Brasil tem enfrentado sérias dificuldades na investigação desses crimes.

Por fim, talvez o melhor caminho seria o estudo e a propositura de medidas que possibilitassem o incremento da capacidade investigativa pelas autoridades públicas, por meio de maior investimento, mais pessoal e melhores tecnologias. Dessa forma, se resolvidos os atuais problemas inerentes à investigação de fraudes cibernéticas, talvez o discurso punitivo possa ganhar maior relevo. 

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