Introdução

A Lei Complementar nº 167, publicada em 25 de abril de 2019 ("LC 167/2019"), cria o Inova Simples, regime simplificado de abertura e encerramento de empresas voltado a startups e empresas de inovação de caráter incremental ou disruptivo.

O novo regime tem como objetivo fundamental o estímulo à criação, formalização, desenvolvimento e consolidação de tais iniciativas, por meio da adição do art. 65-A à Lei Complementar nº 123/2006 (Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte).

Além de criar incentivos à formalização de empresas inovadoras e desburocratizar procedimentos, a nova legislação cria um marco normativo ao apresentar um conceito legal de startups. Essa conceituação, vale ressaltar, seria inicialmente aplicável para fins da própria Lei Complementar 123/2006, de modo a determinar quais startups e empresas de inovação estariam aptas a usufruir dos benefícios do Inova Simples.

É importante destacar também que a legislação está sujeita a regulamentação pelo Comitê Gestor do Simples Nacional e que, portanto, os conceitos devem ainda ser apresentado em mais detalhes.

O conceito legal de startups introduzido pela LC 167/2019

Como mencionado inicialmente, a LC 167/2019 prevê uma série de facilidades para a formalização de negócios, por meio do estabelecimento de um rito sumário de abertura e encerramento de empresas sob o regime do Inova Simples. Dentre outros benefícios, os negócios elegíveis ao regime poderão obter sua inscrição no CNPJ de forma rápida e por meio eletrônico, além de terem garantida a possibilidade de baixa automática da inscrição, se preciso.

Tais benefícios são voltados a iniciativas empresariais de caráter incremental ou disruptivo que se autodeclarem startups ou empresa de inovação1 . Percebe-se, portanto, a inexistência de obrigatoriedade de chancela governamental para que iniciativas sejam qualificadas como startups e possam se beneficiar do Inova Simples.

O caráter autodeclaratório para fins de fruição dos benefícios do Inova Simples está disposto já no caput do art. 65-A2 , o que demonstra o comprometimento da nova legislação com a flexibilização do conceito de startup/empresas de inovação, além da tentativa de adequação da norma a um ambiente de negócios extremamente dinâmico.

O conceito legal de startups em si é disposto nos §§ 1º e 2º do art. 65-A, como segue:

Art. 65-A (...)

§ 1º Para os fins desta Lei Complementar, considera-se startup a empresa de caráter inovador que visa a aperfeiçoar sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos, os quais, quando já existentes, caracterizam startups de natureza incremental, ou, quando relacionados à criação de algo totalmente novo, caracterizam startups de natureza disruptiva.

§ 2º As startups caracterizam-se por desenvolver suas inovações em condições de incerteza que requerem experimentos e validações constantes, inclusive mediante comercialização experimental provisória, antes de procederem à comercialização plena e à obtenção de receita.

Analisando e dissecando os dispositivos acima, verifica-se que, para ser considerada uma startup sob a ótica legal, uma empresa deveria cumprir os seguintes requisitos:

a) Caráter inovador: expressão de sentido indeterminado, ainda sem significado objetivo. Possivelmente, a posterior regulamentação pelo Comitê Gestor do Simples Nacional possa esclarecer este critério (ainda que a manutenção de uma "norma aberta" nesse caso possa favorecer a adequação da norma à realidade dos negócios inovadores).

b) Objetivo empresarial: deve ser o aperfeiçoamento de sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos.

Segundo o conceito legal, as atividades da startup devem necessariamente estar associadas a melhorias. Novamente, a lei é abrangente, permitindo que um amplo leque de negócios possa se adequar a tal requisito.

É válido destacar que a legislação adentra também nas espécies de inovação, qualificando como startups de "natureza incremental" aquelas iniciativas voltadas ao aperfeiçoamento de itens já existentes e como startups de "natureza disruptiva" aquelas voltadas à criação de algo "totalmente novo".

A despeito da aparente confusão entre o objeto da startup e a inovação de fato promovida, além das discutíveis classificações de inovação incremental e disruptivas sob o ponto de vista conceitual, fato é que a classificação de startup como incremental ou disruptiva não tem, de acordo com a legislação atualmente vigente, qualquer impacto sobre os benefícios a serem usufruídos.

c) Ambiente de atuação: condições de incerteza, que requerem experimentos e validações.

O terceiro critério que caracterizaria um empreendimento como startup seria o desenvolvimento das atividades em ambiente incerto. Tal requisito está diretamente relacionado à forma de evolução dos negócios inovadores, baseados em testes, validações, criação de Produtos Mínimos Viáveis (MVPs), dentre outras formas de experimentação.

A legislação novamente permanece abrangente, abarcando uma ampla gama de negócios inovadores. Como forma de exemplificar o ambiente de incerteza, a norma menciona inclusive que pode haver experimentação provisória antes mesmo da comercialização e obtenção de receita. Este é um ponto relevante, uma vez que, no modelo de negócios de startups, é comum que a geração de receita de fato esteja prevista para ocorrer somente em momentos posteriores, após o negócio ganhar escala.

Conclusão

Pode-se afirmar que a LC 167/2019 é um passo importante para o reconhecimento de startups e negócios inovadores pelo sistema jurídico brasileiro. Diante dos elementos apresentados acima, notamos a tentativa de fazer com que a legislação se mantenha alinhada à dinâmica realidade da inovação no mundo atual.

A opção pela autodeclaração como forma de identificação de uma iniciativa empresarial como startup é um fundamento importante, já que, como apontado, torna desnecessária qualquer chancela estatal sobre o assunto, a qual poderia tornar o processo moroso e excessivamente burocrático.

Adicionalmente, a adoção de critérios abertos para conceituação de startups parece ser também positiva, tendo em vista que, além de permitir que mais negócios estejam adequados aos requisitos, incentiva a formalização de iniciativas empresariais inovadoras, muitas das quais permanecem à margem da estruturação jurídica devido aos custos e burocracia envolvidos.

A norma aberta dá espaço à interpretação da lei de acordo com o contexto temporal e, por consequência lógica, admite que as regras se adequem mais rapidamente às mudanças do ambiente de negócios.

Por fim, é importante destacar que o Comitê Gestor do Simples Nacional possivelmente regulamentará o conceito de startups, de modo a coibir eventuais abusos. No entanto, espera-se que a regulamentação em potencial não engesse excessivamente o conceito flexível e abrangente inicialmente apresentado pela LC 167/2019, o qual sob uma primeira análise, parece ser adequado ao fim que se propõe.

Footnotes

1 Art. 65-A da Lei Complementar 123/2006, introduzido pela Lei Complementar 167/2019.

2 Art. 65-A. É criado o Inova Simples, regime especial simplificado que concede às iniciativas empresariais de caráter incremental ou disruptivo que se autodeclarem como startups ou empresas de inovação tratamento diferenciado com vistas a estimular sua criação, formalização, desenvolvimento e consolidação como agentes indutores de avanços tecnológicos e da geração de emprego e renda.

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