As sociedades limitadas surgiram como uma forma societária capaz de oferecer regras mais simplificadas de constituição e funcionamento em relação às sociedades anônimas, bem como limitação de responsabilidade à contribuição dos sócios. Em princípio destinada apenas aos pequenos e médios negócios, a sociedade limitada é utilizada também em negócios maiores, mais sofisticados e start-ups, sendo o tipo societário mais empregado no país.

Na sua origem no direito brasileiro, esse tipo societário foi regulado pelo Decreto 3.708, de 10 de janeiro de 1919, que trazia apenas dezenove artigos, garantindo àqueles que quisessem adotá-lo um maior espaço para a autonomia da vontade. À medida que sua utilização se tornava mais difundida, inclusive para abarcar arranjos societários mais complexos, tornou-se central a discussão acerca da subsidiariedade da aplicação da lei de sociedades anônimas às sociedades limitadas, dadas as inúmeras omissões legislativas.

O Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) revogou o Decreto 3.708/19 e apresentou um número muito maior de dispositivos legais para regular a sociedade limitada. Não obstante o objetivo de manter as sociedade limitadas flexíveis, a profusão de disposições cogentes trouxe maior burocracia e custos para o funcionamento delas. Os dispositivos legais, ainda que em maior número, se mostraram insuficientes para preencher lacunas, obrigando o intérprete a discutir acerca da aplicabilidade ou não de institutos próprios das sociedades anônimas.

Diante das deficiências da legislação, a prática societária tem consagrado os entendimentos dos órgãos de registro de comércio como importante fonte de interpretação, já que cabe a eles aceitar ou recusar o arquivamento de atos societários. O Departamento de Registro Empresarial e Integração – DREI ("DREI") e as Juntas Comerciais não raro excedem suas competências legais, já que a eles cabe a verificação de aspectos formais relativos aos documentos a serem levados a registro e de proibições de arquivamento (artigos 53 e 54 do Decreto nº 1.800, de 30 de janeiro de 1996, e artigo 35 da Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994), não a regulamentação e análise de outros aspectos.

A utilização da sociedade limitada para a estruturação de negócios exige que ela tenha suficiente elasticidade para congregar os mais variados interesses, o que inclui a possibilidade (não a obrigatoriedade) de adoção de alguns conceitos que são previstos na legislação acionária, tais como a atenção ao princípio majoritário, a possibilidade de emissão de quotas preferenciais, a estruturação de Conselhos de Administração, a possibilidade de aquisição de quotas para colocação em tesouraria, a emissão de quotas sem valor nominal e a emissão de debêntures.

Diversas deliberações de sociedades limitadas exigem maioria qualificada (de dois terços, três quartos ou a totalidade), conforme previsão do Código Civil. Referidas regras não podem ser afastadas pela vontade dos contratantes para reduzir os quóruns de deliberação, o que não impede que aqueles que queiram estruturar uma sociedade limitada com base no princípio majoritário consigam fazê-lo com a celebração de acordos de quotistas que estabeleçam reuniões prévias em que maioria simples prevaleça como orientação geral de voto para possibilitar maioria qualificada. Essa medida tende a burocratizar as deliberações sociais, já que duas reuniões são necessárias para se resolver o mesmo tema, motivo pelo qual interessados em uma sociedade que delibere pela maioria do capital votante optam pela sociedade anônima.

Embora não haja previsão, sempre houve bastante dúvida quanto à possibilidade de emissão de quotas preferenciais (sobretudo por parte dos órgãos de registro de comércio), que conferissem privilégios e vantagens aos seus titulares, bem como restrições ao direito de voto. A possibilidade de emissão dessas quotas pode favorecer a estruturação de certos negócios e garantir à sociedade limitada outras modalidades de investimento e financiamento de suas atividades[1]. Nesse sentido, certos negócios também aqui acabam por se valer de sociedades anônimas, dada a regulação pormenorizada e isenta de dúvidas existente sobre as ações preferenciais, seus privilégios e vantagens.

Durante muitos anos, Juntas Comerciais recusaram o registro de contratos sociais ou alterações contratuais que previam Conselho de Administração, órgão regulado na lei de sociedades anônimas, por ser incompatível com as sociedades limitadas. Nessa linha, caso os sócios quisessem estruturar a gestão da sociedade em dois órgãos, o Conselho de Administração e a Diretoria, teriam que obrigatoriamente se valer de sociedade anônima. Não há, contudo, qualquer previsão legal que impeça a estruturação de Conselho de Administração em sociedades limitadas[2].

Com o advento do Código Civil, Juntas Comerciais passaram a não mais aceitar que sociedades limitadas pudessem fazer aquisição de quotas para colocação em tesouraria[3]. Referidas aquisições podem ser necessárias em certas circunstâncias, como nos casos de saídas de sócios do quadro societário ou exercício de direito de preferência. Não há qualquer previsão proibitiva no Código Civil, sendo que tais aquisições sempre foram possíveis para as sociedades anônimas (observados certos parâmetros)[4].

Não obstante a inexistência de proibição no Código Civil, o DREI e as Juntas Comerciais entenderam que as quotas devem sempre ter valor nominal. Nesse particular, elas se diferenciam das ações de sociedade anônima, já que estas podem ter ou não valor nominal. A proibição de emissão de quotas sem valor nominal faz com que cada quota criada tenha um valor mínimo (correspondente ao valor nominal), impedindo que quotas sejam emitidas por preço de subscrição inferior ao mínimo. Quotas emitidas com valor superior ao mínimo levam à formação de reserva de capital sobre o excesso. Referida restrição à existência de quotas sem valor nominal ignora que o capital social pode ser estruturado com base no valor da contribuição e também em função do envolvimento/importância do sócio para o negócio (i.e., um sócio importante para a sociedade pode ter que contribuir muito menos ao capital para ter o mesmo percentual de sócio simplesmente investidor[5].

A emissão privada de debêntures por sociedade limitada, assim como nas sociedades anônimas fechadas, funcionaria como fonte de financiamento. A ausência de previsão legal leva ao entendimento das Juntas Comerciais de que a emissão de debêntures é instrumento disponível apenas para as sociedades anônimas. Porém, não há o que impeça, na legislação atualmente vigente, que haja emissão de debêntures por sociedades limitadas[6].

Como se pode verificar pelos exemplos acima, a sociedade limitada, em diversos aspectos, apresenta menor flexibilidade que as sociedades anônimas, desviando-se da sua função. Isso quando deveria ser um instrumento que permitisse maior autonomia à vontade dos sócios, adequando-se às exigências dos diversos tipos de negócios, particularmente diante de um cenário de inovações tecnológicas e complexidades de fontes de recursos.

A reforma da legislação sobre as sociedades limitadas é necessária para eliminar lacunas e reduzir disposições cogentes – o Projeto de Código Comercial parece trazer algumas soluções adequadas. Um corpo de regras dispositivas, aplicadas na ausência de disposição contratual diversa, deveria ser a regra, de modo a refletir os termos que a maioria das partes bem informadas utilizaria em seus contratos sociais. Isso tenderia a eliminar a insegurança jurídica e reduzir o protagonismo dos órgãos de registro de comércio na interpretação das sociedades limitadas.

Footnotes

  1.   A Instrução Normativa DREI nº 38, 2 de março de 2017, que estabelece o Novo Manual de Sociedade Limitada, vigente desde 2 de maio de 2017, faz menção às quotas preferenciais, sugerindo a sua admissibilidade. Já o Projeto de Código Comercial (Projeto de Lei nº 1.572, de 14 de junho de 2011) faculta às sociedades limitadas a emissão dessas quotas.
  2.    Artigo 201 do Projeto de Código Comercial faculta a criação e o funcionamento de Conselhos de Administração em sociedades limitadas. Apenas recentemente, o DREI admitiu expressamente a possibilidade de existência do Conselho de Administração em sociedades limitadas.
  3. Parecer nº 72/2014, datado de 3 de julho de 2014, da Junta Comercial do Estado de Santa Catarina.
  4.    Artigo 140 do Projeto de Código Comercial faculta a sociedade a adquirir quotas para colocação em tesouraria. Da mesma forma, Instrução Normativa DREI Nº 38, de 2 de março de 2017 indica também essa possibilidade de aquisição.
  5.   Artigo 199 do Projeto do Código Comercial estabelece a possibilidade de emissão de quotas sem valor nominal. Uma das razões para a adoção das quotas sem valor nominal é fiscal. Sendo obrigatória a destinação de parcela maior que o valor nominal à conta reserva de capital, a sociedade limitada poderia estar sujeita à incidência do Imposto de Renda Sobre Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Sobre Lucro Líquido (CSLL) sobre a referida parcela (ágio na subscrição das quotas). Isso porque a Receita Federal do Brasil possui entendimento de que a regra prevista no artigo 38 do Decreto-lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, segundo o qual o ágio na subscrição de ações de companhia não deve ser computado na determinação do lucro real, não se aplica às sociedades limitadas, entendimento este que foi confirmado pelo Acórdão nº 9101-002.009 da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF).
  6. [6] Artigo 203 do Projeto de Código Comercial indica a possibilidade de emissão de debêntures por parte de sociedades limitadas. A emissão de debêntures traz tratamento fiscal favorecido em relação ao mútuo, especialmente com relação ao Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF). Enquanto as debêntures estão sujeitas à incidência de IOF-Títulos a alíquota zero, conforme artigo 32, § 2º, VI, do Regulamento do IOF (RIOF), aprovado pelo Decreto nº 6.306, de 14 de dezembro de 2007, as operações de mútuo sujeitam-se à incidência do IOF-Crédito a alíquota de 0,0041% ao dia, limitado a 1,5% quando definido o valor principal, mais adicional de 0,38%, conforme artigo 7º, I, "b", parágrafos 1º e 15, do RIOF.

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