No passado dia 14 de junho foi aprovada a Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, que estabelece o «regime de reconhecimento e proteção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local», procedendo igualmente à terceira alteração ao Novo Regime do Arrendamento Urbano (no que respeita aos arrendamentos não habitacionais) e à quarta alteração ao Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados. Em traços gerais, o regime de reconhecimento e proteção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local reveste-se das seguintes particularidades:

I. REGIME DE RECONHECIMENTO E PROTEÇÃO DE ESTABELECIMENTOS E ENTIDADES DE INTERESSE HISTÓRICO E CULTURAL OU SOCIAL LOCAL

  • âmbito de proteção da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho tanto abrange estabelecimentos, como entidades (ex: associações), desde que revestidas de valor histórico e cultural ou social local, integrando uma das seguintes categorias:
  1. «Estabelecimentos de interesse histórico e cultural ou social local», comummente designados por "lojas históricas", ou seja: (i) os estabelecimentos comerciais com especial valor histórico cuja preservação deva ser acautelada ("Lojas com História"); ou (ii) os estabelecimentos de comércio tradicional, i.e., o comércio realizado em pequenos estabelecimentos situados fora de grandes superfícies comerciais, especializados na venda de um produto ou na prestação de um serviço (excluindo venda ambulante, bancas e feiras); ou (iii) os estabelecimentos de restauração ou bebidas, abertos ao público, que, pela sua atividade e património material ou imaterial, constituam uma referência viva na atividade económica, cultural ou social local; e
  2. «Entidades de interesse histórico e cultural ou social local», as entidades com ou sem fins lucrativos, nomeadamente coletividades de cultura, recreio e desporto ou associações culturais, que pela sua atividade e património material ou imaterial constituam uma relevante referência cultural ou social a nível local.
  • reconhecimento de interesse histórico e cultural ou social local de estabelecimentos ou de entidades é concedido pelo município, após um período de consulta pública, sendo válido por períodos sucessivos de, pelo menos, 4 anos, automaticamente renováveis.

1.1.CRITÉRIOS PARA O RECONHECIMENTO DO "INTERESSE HISTÓRICO E CULTURAL OU SOCIAL LOCAL"

Apesar de competir às assembleias municipais a aprovação de regulamentos municipais de reconhecimento dos estabelecimentos ou entidades com interesse histórico e cultural ou social local, através dos quais poderão fixar especificidades dos critérios de reconhecimento a adotar no respetivo município, a classificação de um estabelecimento ou entidade como dotada de interesse histórico e cultural ou social local depende da verificação de, pelo menos, os seguintes requisitos:

1.1.1. A atividade:

Exercício da atividade reconhecido há, pelo menos 25 anos (longevidade); e

  • Contribuição para o enriquecimento do tecido social, económico e cultural locais, em termos que constituam um testemunho material da história local, ou
  • Identidade própria do objeto do estabelecimento ou entidade, com uma função histórica, cultural ou social, designadamente assente na promoção continuada de atividades culturais, recreativas e desportivas; ou
  • Singularidade no quadro das atividades prosseguidas, em função do seu uso original, de serem os últimos do seu ramo de negócio ou atividade, de terem introduzido novos conceitos na sua atividade para responder às necessidades do público ou da comunidade, ou de manterem oficinas de manufatura dos seus produtos.

e

1.1.2. O património material:

A existência de património artístico, designadamente de cariz arquitetónico, elementos decorativos, mobiliário, ou elementos artísticos, tais como obras de arte, através do qual seja evidenciada a presença de património material íntegro ou original e de interesse singular; ou a existência de bens materiais e documentos essenciais para a atividade da entidade e que integrem o espólio desta; ou

1.1.3. O património imaterial:

A constituição de uma referência local, decorrente da presença continuada como referência viva na cultura local e nos hábitos e rituais do público, contribuindo assim para a identidade urbana ao constituírem uma referência geográfica ou de orientação e memória dos cidadãos, ou ao terem sido e continuarem a ser, de forma relevante para a história local ou nacional, palco de acontecimentos ou local de reunião de grupos de cidadãos.

1.2. MEDIDAS DE PROTEÇÃO DAS LOJAS HISTÓRICAS E DAS ENTIDADES DE INTERESSE HISTÓRICO E CULTURAL OU SOCIAL LOCAL:

1.2.1. Proteção prevista no regime de reconhecimento e proteção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local (Lei n.º 42/2017, de 14 de junho)

  • Concessão de benefícios ou isenções fiscais aos proprietários de imóvel situado em estabelecimento de interesse histórico e cultural ou social local (conforme vier a ser definido pelo município)
  • Concessão de direito de preferência aos municípios na transmissão onerosa de imóvel ou partes de imóveis, nos quais se situe estabelecimento ou entidade de interesse histórico e cultural ou social local.
  • Concessão de direito de preferência aos arrendatários na transmissão onerosa de imóvel ou partes de imóveis, nos quais se situe estabelecimento ou entidade de interesse histórico e cultural ou social local. Ou seja, tais arrendatários são titulares de um duplo direito de preferência: por força do artigo 1091.º (n.º1) al. a) do Código Civil1, querendo exercer o seu direito, devendo fazê-lo no prazo máximo de 8 dias; e , por força do artigo 7.º da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, independentemente do prazo de ocupação do local arrendado2, sendo-lhes concedido um prazo de 30 dias para o exercício do direito de preferência. Fica por clarificar:
  1. se o conceito de "transmissão onerosa" se restringe ao ato de compra e venda ou se abrange igualmente a transmissão onerosa de figuras parcelares do direito de propriedade;
  2. se o exercício do direito de preferência é restrito aos arrendatários que sejam titulares de estabelecimento ou entidades de interesse histórico e cultural ou social local, ou se pode ser exercido por quaisquer arrendatários que ocupem o imóvel no qual igualmente se situam estabelecimentos ou entidades de interesse histórico e cultural ou social local.

1.2.2. Proteção prevista no novo regime jurídico do arrendamento urbano (Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro)3

A Lei n.º 42/2017 procede à alteração do artigo 51.º do novo regime jurídico do arrendamento urbano, introduzindo no elenco de circunstâncias às quais é conferida especial proteção legal a existência no locado de um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social local reconhecidos pelo município. Tal introdução é particularmente relevante no âmbito do processo de atualização extraordinária de renda e transição para o novo regime jurídico do arrendamento urbano dos contratos não habitacionais celebrados antes da vigência do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de setembro, i.e., 5 de outubro de 1995. Em particular, caso o arrendatário invoque a qualidade de arrendatário de um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social local reconhecidos pelo município, o contrato de arrendamento só fica submetido ao novo regime jurídico do arrendamento urbano mediante acordo entre as partes ou, na falta deste, no prazo de dez anos (até aqui cinco anos) a contar da receção, pelo senhorio da resposta do arrendatário no âmbito do referido processo.

1.2.3. Proteção prevista no regime jurídico de obras em prédios arrendados (Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto4)

A Lei n.º 42/2017, de 14 de junho introduz alterações significativas ao exercício do direito de denúncia do arrendamento pelo senhorio para remodelação ou restauro e para demolição5:

1.2.4. Acesso a programas municipais ou nacionais de apoio aos estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local

A Lei n.º 42/2017, de 14 de junho prevê a criação de programas municipais ou nacionais de apoio aos estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local

Footnotes

1 "O arrendatário tem direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos".

2 Nos termos da lei ora publicada, é permitida a cessão da posição contratual do arrendatário, independentemente de autorização do senhorio, não sendo restringido por lei o direito de preferência do cessionário.

3 Alterado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, pela Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro e pela Lei n.º 42/2017, de 14 de junho.

4 Alterado pelo Decreto-Lei n.º 306/2009, de 23 de outubro, pela Lei n.º 30/2012, de 14 de agosto, e pela Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro.

5 Tal direito é conferido ao proprietário de prédios arrendados pelos artigos 6.º e 7.º do regime jurídico das obras em prédios arrendados.

Não há lugar à denúncia do contrato de arrendamento em caso de remodelação ou restauro de imóvel no qual se situe estabelecimento ou entidade de reconhecido interesse histórico e cultural ou social local, mantendo-se o estabelecimento ou entidade, em qualquer caso, no locado;

Em caso de remodelação ou restauro de imóvel no qual se situe estabelecimento ou entidade de reconhecido interesse histórico e cultural ou social local, são fixadas, sob o município correspondente, obrigações de salvaguarda da manutenção da atividade e do património material existentes no locado no qual se situe estabelecimento ou entidade de reconhecido interesse histórico e cultural ou social local;

Em caso de demolição de imóvel no qual se situe estabelecimento ou entidade de reconhecido interesse histórico e cultural ou social local, são igualmente fixadas obrigações a cargo dos municípios para salvaguardar a manutenção da atividade e do património material existentes no locado no qual se situe estabelecimento ou entidade de reconhecido interesse histórico e cultural ou social local, devendo aqueles autorizar apenas as demolições estritamente necessárias;

Fixação de penalidades agravadas sobre o senhorio, em caso de demolição que determine a denúncia do contrato de arrendamento6, e que seja causada pelo incumprimento por parte daquele de deveres de conservação do imóvel.

6 De acordo com os fundamentos de denúncia que, em virtude da Lei n.º 42/2017, são restritos, para estes imóveis, a um conjunto de obras motivadas por um nível de conservação do locado correspondente a ruína.

The content of this article is intended to provide a general guide to the subject matter. Specialist advice should be sought about your specific circumstances.