Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar preocupações concorrenciais e remédios comportamentais impostos em concentrações econômicas no mercado de prestação de serviços de televisão por assinatura ("Pay-TV"). Para tal, primeiramente explica-se a dinâmica de funcionamento das etapas envolvidas na cadeia produtiva desse mercado e, na sequência, apresentam-se as suas principais características. Feito isso, analisam-se três casos concretos relevantes (SKY/DirecTV, Comcast/NBCU e AT&T/TW), para depois concluir-se, dadas as peculiaridades apresentadas do setor em apreço, que autoridades antitruste ao redor do mundo encontram preocupações concorrenciais semelhantes em casos, épocas e jurisdições dessemelhantes.

Palavras-chave: Concentrações econômicas na indústria de mídia e de televisão por assinatura (Pay-TV); preocupações concorrenciais e remédios na indústria de mídia; concorrência e televisão por assinatura; defesa da concorrência e serviço de acesso condicionado (SeAC); caso SKY/DirecTV (News Corporation e Hughes Electronics); caso Comcast/NBCU; caso AT&T/TW;

Keywords: Mergers and remedies in media and Pay-TV-related industries; competition and media/innovation; competition in the market for providing of services based on conditional access; News Corporation and Hughes Electronics deal (SKY/DirecTV case); Comcast/NBCU deal; AT&T Corporation and Time Warner (AT&T/TW) case.

1. Introdução

Atos de concentração econômica nos mercados de mídia e de telecomunicações, em especial no de televisão por assinatura ("Pay-TV"), costumam suscitar discussões jurídicas de natureza concorrencial muito ricas. Trata-se de mercados historicamente marcados pela presença de players robustos que, com certa frequência, apresentam perante as autoridades antitruste ao redor do mundo operações gigantescas (mega deals) que suscitam, via de regra, preocupações concorrenciais relevantes. Por essa razão, tais operações, de uma forma ou de outra, acabam sendo aprovadas com restrições ou até mesmo sendo reprovadas.

O mercado de prestação de serviços de Pay-TV é complexo e é caracterizado pela alta integração vertical entre os agentes envolvidos nas etapas da cadeia produtiva – desde a concepção abstrata de uma ideia original apta à produção de um conteúdo audiovisual vendável até o provimento de diversos canais de programação pelas detentoras de infraestrutura de rede e distribuidoras/operadoras de Pay-TV. Ainda, o setor é caracterizado por transações com considerável interface com questões relacionadas a direitos de propriedade intelectual, pluralidade de conteúdo, regulação e inovação/novas tecnologias.

Tendo em vista a relevância e a atualidade do tema e com o objetivo de apresentar sucintamente preocupações concorrenciais e remédios comportamentais impostos em concentrações econômicas analisadas pelas autoridades antitruste do Brasil, do Chile, dos Estados Unidos da América ("EUA") e do México, dividiu-se o presente artigo em 3 (três) capítulos, a saber: (i) considerações sobre o funcionamento da cadeia produtiva de prestação de serviços de Pay-TV; (ii) características do mercado de Pay-TV que devem ser levadas em consideração em uma análise antitruste; e (iii) breve análise de casos.

Por fim, uma vez enfrentados os pontos acima, conclui-se que há certo padrão nas preocupações concorrenciais encontradas e nos remédios comportamentais impostos pelas autoridades competentes para análise dessas concentrações econômicas, dadas as peculiaridades do mercado de Pay-TV em termos globais, a despeito de os casos analisados serem de épocas e de jurisdições diferentes.

De todo modo, desde já se ressalva que longe de possuir a pretensão de ser um trabalho exaustivo sobre o tema, busca-se, na presente oportunidade, apenas apresentar algumas considerações e casos concretos que, de alguma forma, tiveram o importante papel de fomento ao debate e à reflexão por parte da comunidade econômica e jurídica.

2. Considerações introdutórias sobre o funcionamento da cadeia produtiva de prestação de serviços de Pay-TV

Como pontuado por Paulo Furquim de Azevedo, ex-Conselheiro do Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica ("CADE"), a cadeia de produção dos serviços de televisão por assinatura é composta por uma gama de atividades sequenciais verticalmente separáveis, isto é: (i) produção de conteúdo audiovisual; (ii) programação de canais; (iii) empacotamento de canais de programação; e (iv) distribuição/operação de serviços de Pay-TV as principais1-2.

A primeira, de produção de conteúdo audiovisual, pode ser definida, conforme prevê o art. 2º, inciso XVII, da Lei nº 12.485/2011 ("Lei do Serviço de Acesso Condicionado – SeAC")3, como a atividade de elaboração, composição, constituição ou criação de conteúdo audiovisual – resultado da atividade de produção que consiste na fixação ou transmissão de imagens, acompanhadas ou não de som, que tenha a finalidade de criar a impressão de movimento, independentemente dos processos de captação, do suporte utilizado inicial ou posteriormente para fixá-las ou transmiti-las, ou dos meios utilizados para sua veiculação, reprodução, transmissão ou difusão4 – em qualquer meio de suporte. É nessa etapa em que são criados e produzidos filmes, shows, desenhos animados, seriados, documentários, entrevistas e demais exibições com potencial de exploração econômica para ulterior transmissão ao público em geral. São exemplos de produtoras a Disney, a Globo e a Universal.

A segunda etapa da cadeia trata da programação de canais, que nada mais é do que a atividade de agrupamento e seleção, conforme uma temática específica5, de determinados conteúdos audiovisuais, produzidos na etapa antecedente. A programação visa a compor a grade horária de programação em linha com estratégias comerciais e de editoração6 para captura da maior audiência possível. Resulta dessa etapa, por exemplo, a criação de canais voltados à veiculação de diversos desenhos animados, eventos esportivos (basquete, corrida automobilística, futebol, tênis, etc.), documentários (bem-estar e saúde, engenharia, história, tecnologia, etc.), de acordo com a faixa etária e os interesses do público-alvo a ser atingido. São exemplos de programadoras a Fox, a Globo, a Viacom (dona da MTV e da Nickelodeon).

Por fim, é através da terceira etapa, de distribuição/operação de serviços de Pay-TV, que o conteúdo audiovisual inserido nos canais de programação temáticos é levado aos assinantes de uma área geográfica determinada, nacional ou local, mediante autorização ou concessão do Poder Público. A transmissão desses conteúdos depende da instalação e utilização de um conjunto de equipamentos e dispositivos que possibilitam a geração, a transmissão, a recepção, o processamento e a reprodução de sinais eletromagnéticos que darão origem a imagens e sons7. São exemplos de operadora de Pay-TV a Claro/NET, a SKY e a Telefônica/Vivo TV.

De maneira simplificada e sintética, o mercado de Pay-TV possui a seguinte estrutura: produção de conteúdo audiovisual (estúdios para gravação de filmes e de programas independentes) programação de canais (disponibilização, através de canais, de grade de programação temática composta por filmes e programas independentes)  empacotamento/operação de serviços de Pay-TV (distribuição de sinais analógicos e digitais por meio de diversas tecnologias, como cabo, fibra óptica, rádio e satélites)  consumo de conteúdo audiovisual/televisivo pelos assinantes de Pay-TV.

To view the full article click here

Footnotes

1 Cf. AZEVEDO, Paulo Furquim de. Restrições verticais e defesa da concorrência: a experiência brasileira in CARVALHO, Vinícius Marques de; CORDOVIL, Leonor; e GOMES, Mário Schapiro (Coordenadores). Direito econômico concorrencial – São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 215-216.

2 Tendo em vista que na experiência brasileira usualmente quem empacota os canais de programação é a própria distribuidora/operadora de serviços de Pay-TV, o presente artigo não tecerá maiores considerações acerca da etapa de empacotamento, a qual compreende a atividade de organização, em última instância, de canais de programação, inclusive nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado, a serem distribuídos para o assinante (vide art. 2º, inciso XI, da Lei do SeAC). Tal fato foi reconhecido pela Agência Nacional do Cinema ("Ancine") em recente estudo intitulado TV por assinatura no Brasil: aspectos econômicos e estruturais, p. 59).

3 De acordo com o art. 2º, inciso XXIII, da Lei nº 12.485/2011 ("Lei do SeAC"), trata-se de serviço de telecomunicações de interesse coletivo prestado no regime privado, cuja recepção é condicionada à contratação remunerada por assinantes e destinado à distribuição de conteúdos audiovisuais na forma de pacotes, de canais nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado e de canais de distribuição obrigatória, por meio de tecnologias, processos, meios eletrônicos e protocolos de comunicação quaisquer.

4 Vide art. 2º, inciso VII, da Lei do SeAC.

5 Tal segmentação temática é de suma importância para definir-se o mercado relevante em que atua cada programadora de canais. Nesse sentido, tanto o CADE quanto a Ancine já se pronunciaram: "A segmentação dos canais por gênero também é útil e pode retratar a forma com que as programadoras concorrem e como os assinantes consomem o serviço. Do ponto de vista do consumidor, canais de um mesmo gênero são substitutos mais próximos. Nesse sentido, para o público infantil, por exemplo, um canal desse gênero terá como substituto outro canal do mesmo gênero e não um canal de notícias ou de esportes. Sob a ótica da oferta, é possível observar também que as programadoras competem de maneira mais próxima dentro do mesmo gênero. Nos contratos entre programadoras e operadoras de TV por assinatura apresentados, gêneros de canais específicos são mencionados para fins de posicionamento no line-up ou cláusulas do tipo nação mais favorecida, por exemplo" (Ato de Concentração nº 08700.001390/2017-14, entre AT&T e TW); "Cada gênero, portanto, configuraria um mercado relevante do produto, considerando o fato de que canais de gêneros semelhantes são substitutos mais próximos, enquanto canais de gêneros diversos possuem uma característica de complementaridade, tanto sob a ótica das operadoras de TV por assinatura, para sua formação de pacotes de programação, quanto para os assinantes destas, que buscam tanto maior qualidade quanto maior quantidade de programação disponível" (Ato de Concentração nº 08012.002417/2010-60, entre HBO Latin America e Sony Pictures Entertainment); e "As programadoras atuam na alocação dos conteúdos produzidos pelas produtoras em canais de programação. A principal distinção entre a atividade de programação no mercado de TV por assinatura e de TV aberta diz respeito ao perfil de programação de cada um deles. Enquanto a TV Aberta se baseia no consumo de massa e precisa exibir uma grande variedade de conteúdos audiovisuais em horários preestabelecidos para que seja capaz de atrair a atenção dos mais diversos perfis, a grade horária da TV por Assinatura pode ser muito mais flexível e personalizada, obedecendo a uma segmentação baseada nos nichos de interesse dos espectadores – tais como esportes, variedades, filmes e séries, etc." (Ancine, TV por assinatura no Brasil: aspectos econômicos e estruturais, p. 36).

6 Atividade de seleção, organização ou formatação de conteúdos audiovisuais apresentados na forma de canais de programação, inclusive nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado (vide Lei art. 2, inciso, XX da Lei do SeAC).

7 Consoante art. 2º, inciso X, da Lei do SeAC, trata-se das atividades de entrega, transmissão, veiculação, difusão ou provimento de pacotes ou conteúdos audiovisuais a assinantes por intermédio de meios eletrônicos quaisquer, próprios ou de terceiros, cabendo à distribuidora/operadora a responsabilidade final pelas atividades complementares de comercialização, atendimento ao assinante, faturamento, cobrança, instalação e manutenção de dispositivos, entre outras.

The content of this article is intended to provide a general guide to the subject matter. Specialist advice should be sought about your specific circumstances.