"A pior ditadura é a do Poder Judiciário, pois contra ela, não há a quem recorrer", alertou sabiamente o célebre Rui Barbosa, coautor da Constituição Republicana de 1891, a primeira a contemplar no Brasil o princípio da separação dos poderes.

Apesar de proferida há décadas, a frase do jurista nunca foi tão atual. Inspirados nela, abordamos o tema da intervenção do Judiciário em matérias reservadas aos Poderes Legislativo e Executivo, que tem despertado debate no mundo jurídico, merecendo críticas e comentários de todos os matizes.

Essa intervenção, promovida ora na forma de ativismo judicial, ora de judicialização, tem sido frequente em demandas sociais, particularmente nos direitos trabalhista e das relações de consumo, e com maior destaque na esfera penal, sobressaindo o julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por meio do qual foi confirmada a possibilidade de prisão em face de condenação em segunda instância, apesar da clareza com que a Constituição Federal considera todos inocentes até o efetivo trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

O argumento segundo o qual seria necessário preservar a arrecadação tem sido repetido a esmo nas recentes decisões dos Tribunais Regionais

Pouco se fala, contudo, da interferência do Judiciário no plano tributário, que tem se intensificado nos últimos anos.

A fixação de honorários de sucumbência é apenas um dos exemplos mais gritantes dessa intervenção.

Aquele que propõe ou contesta indevidamente a demanda judicial tem o dever de compensar a outra parte pelos custos incorridos com a contratação de advogados.

O art. 85 do novo Código de Processo Civil (CPC), ao regular a matéria, estabeleceu critérios objetivos e contemplou percentuais específicos para fixação dessa verba nos casos em que a Fazenda Pública é condenada, reduzindo drasticamente a possibilidade de apreciação equitativa até então adotada de forma sistemática pela maioria das Cortes.

Apesar da clareza da norma, o Judiciário tem demonstrado relutância na determinação do valor a ser pago quando o contribuinte é julgado vencedor da demanda, sem levar em conta o esforço empreendido pelo causídico.

Não raro o longo tempo demandado para acompanhamento dos feitos até sua definição é desprezado, bem assim a enorme responsabilidade dos que representam os contribuintes em causas de elevado valor, culminando muitas vezes com a fixação de honorários em patamares irrisórios.

Releva-se, ademais, o fato de que a Fazenda tem assegurado o direito aos chamados encargos legais em ações de execução fiscal federal, que nada mais são do que honorários de sucumbência devidos pelo contribuinte vencido, já pré-fixados no elevado patamar de 20% do valor da causa, em clara afronta ao princípio da isonomia.

Tão ou mais graves que essa distorção são as recentes manifestações de juízes sobre matéria tributária, dentre as quais se destaca o voto do ministro Gilmar Mendes, proferido em sede de repercussão geral, no emblemático julgado que culminou com a exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Acompanhado pelos votos dos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Dias Toffoli, o ex-presidente da Corte Suprema opinou pelo desprovimento das razões do contribuinte, mostrando-se impressionado pelas catastróficas previsões alardeadas pela Fazenda Nacional, segundo as quais eventual decisão favorável aos contribuintes seria danosa aos cofres da União, e fundamentou boa parte de sua negativa com apoio no falacioso argumento do efeito sistêmico por ela provocado, e dos consequentes prejuízos à União.

O argumento segundo o qual seria necessário preservar a arrecadação tem sido repetido a esmo nas recentes decisões dos Tribunais Regionais Federais em casos relacionados ao aumento do PIS e Cofins sobre os combustíveis. Desprezam-se, nesses julgados, os princípios constitucionais mais elementares para cassar liminares que suspendiam a ilegal majoração, dentre os quais o da indelegabilidade do poder de tributar, da legalidade e da anterioridade nonagesimal.

Infere-se dessas manifestações extrema apreensão com a situação financeira da União, como se ela necessitasse de ajuda externa para sustentar suas pretensões, tratando-a como se hipossuficiente fosse. Manifestações como esta são preocupantes, pois sinalizam que para a manutenção do Estado, pouco importam os meios, e sim os fins para alcançá-la.

Esse viés fazendário provoca descrédito no Judiciário e no funcionamento regular das instituições. Desencanta os que acreditam no direito e na Justiça, fomenta a insegurança jurídica e ameaça o equilíbrio entre os poderes.

Invoca-se o fato do príncipe e acolhem-se falaciosas razões de interesse público, confundindo-o com o interesse do Estado, para negar direitos e garantias individuais assegurados pela Constituição, tornando letra morta as disposições concebidas para protegê-los.

Frente a esse estado de coisas, é de se lamentar a postura demonstrada pelo Judiciário, que ao invés de preservar sua independência, rende-se aos apelos fáceis da Fazenda e deixa-se levar por previsões econômicas alarmistas e desprovidas de qualquer estudo técnico, relegando a segundo plano o papel fundamental de guardião das leis.